sábado, 18 de outubro de 2008

Fazendo a diferença

-Filha, o que você quer ser quando crescer?
-Eu quero ser professora.
-Tem certeza?
-Tenho.
-Então, eu te dou permissão para prosseguir nos estudos.
Com essas palavras, meu pai abençoou minha jornada ao invés de interrompê-la.
Numa família de oito filhos, era assim: os homens serviam o exército, e em seguida, deviam trabalhar, pois, para meu pai, ficar parado, só por conta dos estudos, ou sem emprego significava “ficar à toa”. As mulheres aprendiam a bordar, coser, cozinhar, lavar, passar e cuidar de bebês e, assim, estavam aptas para trabalhar como empregadas domésticas. Com isso, para elas, dava-se por concluído o processo de estudo na 5ª/6ª série primária. E eu, talvez por ser a “rapa do tacho” nessa família, fui agraciada com a permissão de prosseguir meus estudos. Além da permissão recebi incentivo.

Lembro-me de ouvir os causos contados pelos mais velhos, dos quais meu pai era protagonista, em sua grande maioria. Além das narrativas orais, que reunia toda a minha família, ouvia histórias infantis do famoso disquinho, isso era algo fenomenal, como minha imaginação alcançava o ápice em todas essas atividades.
Meu pai foi o grande companheiro de longas horas, ouvíamos músicas sertanejas e as analisávamos. E como não podia deixar de ser, o primeiro livro que ganhei foi ele quem me deu. É pena que não pude lê-lo, uma vez que, no mesmo dia eu o levei para a escola (Escola Classe 26 de Taguatinga), a professora pediu emprestado para ler e até hoje não devolveu. Mas, lembro-me que se tratava de borboletas, pois a capa era cheia de gravuras delas.

No ensino fundamental, encontrei professor de ciências chamado Luís. Eu gostava de suas aulas pelo conteúdo: o corpo humano. Eu lia tudo que se referia a sua aula, pois, além de serem ministradas de forma atrativa, eu queria conhecer meu corpo e entender porque passava por mudanças.
Os demais professores não fizeram outra coisa a não ser mandar-me sentar e ficar quieta no “meu lugar”, fato que aumentou a minha timidez e insegurança, contra as quais tive que lutar bravamente. Questiono-me qual seria esse lugar. Seria o lugar da subalternidade, no qual pessoas da minha classe ou cor não tinham vez nem voz?
Hoje eu percebo nessas ações um viés de preconceito, uma vez que alunos brancos não sofriam as mesmas sanções em situações semelhantes, ou até mesmo eram incentivados, enquanto eu, apesar de obediente ou, como dizem hoje, disciplinada, era sempre repreendida, às vezes tinha a sensação de ser censurada por existir.

No ensino médio, ah!!! Ensino Médio maravilhoso! Passei por tantos momentos difíceis, porém, encontrei um professor chamado SÉRGIO. Ele deu um norte para minha vida profissional. Nessa época, estudava no Centro Educacional 08 de Ceilândia.
Fiquei embevecida com tanto amor pela literatura e, é claro, fui fortemente contagiada por esse amor.
Este professor foi o responsável por me introduzir no mundo mágico da leitura.
Não me esquecerei de que leu conosco em sala de aula o livro Uma vida em Segredo, de Autran Dourado. Além deste livro, eram indicados vários outros paradidáticos, os quais não podia comprar,então, a solução que encontrei, era pedir emprestado aos colegas e ler nos horários vagos e nos intervalos das aulas, uma vez que não podia trazer o livro dos colegas para casa. Apesar de ficar encantada com alguns dos personagens que tinha contato, não podia saboreá-los de forma mais tranqüila, minha leitura era apressada, o que a fazia se tornar mais superficial.

O professor Sérgio trabalhou textos como ninguém e incentivou-me tanto que, das redações de sala de aula, passei a escrever contos, os quais eram devolvidos com recadinhos incentivadores e isso se tornou o nosso elo, já que a timidez me dominava.
Ao fazer a retrospectiva de minha vida com os livros, percebo que o professor precisa ter o olhar desenvolvido para perceber os alunos, mesmo aqueles mais tímidos, pois fazer com que o aluno descubra sua capacidade, seu dom, não é para um simples professor e sim para um professor-pesquisador, como o meu querido professor Sérgio.

Cursar letras foi meio decepcionante, pelo fato de que não encontrei nos professores da faculdade a mesma paixão. A literatura apresentou-se morta, desanimada, preguiçosa... fruto de uma pedagogia obsoleta.
Toda a paixão, a audácia e a acuidade do meu professor Sérgio, reencontrei-as nos professores da UnB e nas professoras da EAPE. São pessoas que me tiraram de um quartinho sem janela, me colocaram no topo de uma montanha, apresentaram-me um horizonte amplo, sem fim e disseram-me: “Prossiga. Esse horizonte é todo seu.” E eu atendi prontamente a esse chamado, cada dia estou mais íntima das palavras, sentindo-me feliz onde estou, com o que faço e com o que aprendo.

A minha biblioteca permanece em construção e, recentemente, adquiri livros dos seguintes autores para comporem meu acervo: Roberto Acizelo de Souza, Valter Kedhi, Ligia Chiappini, Antônio Soares Amora, Umberto Eco, Leyla Perrone, Dioney Gomes, Marcuschi, Theodor Ludwig Adorno, Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche...
Aprender! É o que nunca deixarei de fazer. Destarte,os desafios são bem-vindos!

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Raízes do Brasil

De Sérgio Buarque de HOLANDA, O livro Raízes do Brasil, além de sociológico, é histórico. Não se limita a uma área de conhecimento,por isso, nos possibilita ir e vir no tempo. O transitar por dois mundos – nosso passado e nosso presente – permite-nos observar situações que ocorreram e outras que ainda ocorrem no país. E por que não caracterizá-lo também como crítico e instigante? É crítico porque nos faz questionar acerca de inúmeras situações vividas por nossos ancestrais, situações que vivemos e situações que viverão nossos filhos e netos. É instigante porque as respostas para tantos questionamentos são, às vezes, obscuras, e outras tantas vezes com possibilidade de mudança. As respostas se tornariam claras, por exemplo, com ensino de qualidade para todos, e com possibilidades de mudanças quando as pessoas perceberem seu real valor na sociedade. Sérgio Buarque de Holanda, num relato diacrônico, deixa à mostra uma sociedade brasileira altamente egoísta, que tem no homem um ser absoluto, isolado, que se basta. É possível perceber claramente que, em tempo de escravidão, somos uma sociedade sem vida, sem idéias, sem sonhos, pelo fato de que culturas foram imputadas. Suscitam algumas indagações como: de que povo esse país é formado? Há negros, brancos, índios, ou seja, a miscigenação é latente. Que tipo de civilização o brasileiro representa? Existem elementos culturais. São contribuições com maior ou menor grau, mas, que promovem o desenvolvimento cultural dessa sociedade. Isso nos leva à necessidade de repensar nossa identidade nacional. Trazendo à memória que a identidade nacional não é um fato puro e simples, imutável, estático, muito menos uma ação imposta a qual você aceita desde seu nascimento. A identidade nacional é construída, por isso é mutável. Destarte, é instigante a visão mostrada no livro sobre a participação do negro na história como “matéria-prima” para o nascimento da sociedade brasileira, e, consequentemente, da sua identidade, pois, a mão de obra exigida no Brasil, por conta dos aventureiros que aqui vieram, não com o intuito de trabalhar, mas de obter lucros, ficou por conta dos negros que devido a questões estratégicas não conseguiram êxito na luta contra tamanha violência, diferente do que aconteceu com os índios que não se deixaram dominar e reagiram à forma violenta imposta pelo escravismo colonial, ainda que sua mão de obra tenha sido abundante no início da lavoura canavial. É relevante a exposição da necessidade do resgate de uma história que até os dias de hoje implica em negação da raça negra. É possível perceber, de forma veemente, a imagem do negro associada às correntes. Há uma dificuldade em se exercer a cidadania quando tal processo exige a formulação de um modelo de origem do afrodescendente. Um fato que pode ser amplamente modificado se o professor em sua sala de aula não se limitar a promover debates sobre essa questão pautando-se apenas pelo livro didático. O livro didático não oferece ao aluno subsídio suficiente para análise da história do país de forma ampla e crítica. Pois, só a ação de desenvolver nos alunos a habilidade de perceber a história de seu país numa visão ampla e crítica tornará possível a consolidação de um país com identidade construída de fato. E da mesma forma, dispensar um olhar crítico sobre o homem aventureiro que passou todo o seu tempo à luz da escravatura, priorizando viver sob horizonte amplo, de forma imediatista. Traspassando, em meio a uma sociedade rural, da escravidão aos movimentos liberais que empreenderam o fim do tráfico negreiro, desperta a família apresentando uma sociedade com perfil machista e patriarca. Nesse espaço de tempo, em meio a tamanha exclusão feminina, há o início da luta pela libertação da mulher. Luta que propõe considerar os direitos daquelas que estão desfavorecidas. O que contribui para tornar o Brasil um país democrático. A democracia assumindo o lugar do autoritarismo. Daí, SBH traz o complexo desse princípio: a democracia que se contrapõe ao personalismo nos levando a novas e constantes reflexões.